terça-feira, 19 de outubro de 2010

Noite no Salão de Ágata



Afastando delicadamente com os dedos a cortina de seda azulada, Amirah espiou o grande salão circular de trás da pequena sacada onde estava escondida. Ela podia ver a silhueta do sultão Hashoun Al-Latif, seu pai, sentado em seu trono ornado de pérola e cristal, suficientemente grande para acomodar seu corpo largo e bem alimentado. Pela movimentação no salão, Amirah percebeu que o sultão estava se preparando para receber uma audiência, enquanto trocava palavras com o único convidado já presente, um homem de voz áspera e palavras rudes.

Amirah esboçou um sorriso no canto dos lábios, se deixando ocultar totalmente pela cortina e movimentando seus dedos cobertos de anéis de forma a produzir um som cristalino e sutil, que foi respondido por um breve ruflar de asas.

Segundos depois, um pássaro surgiu ao seu lado, pousando sem fazer ruído sobre o chão de mármore. Sua bela plumagem era de um azul profundo que lembrava o céu noturno em uma noite clara, adquirindo os tons do poente ao refletir a luz do fogo. Ele tinha as asas vigorosas, as garras fortes e o bico afiado de uma águia. Porém, longas plumas como as de um pavão saíam de sua cauda e do alto de sua cabeça, terminando em manchas com o tom de esmeraldas. Seus olhos eram pérolas que refletiam a inteligência de Amirah, pois aquela não era uma ave ordinária, mas um eidolon, uma parte da própria alma da garota que apenas invocadores como ela podiam trazer para o mundo físico.


-Parece que o gênio estava certo, Ziz - disse Amirah enquanto o pássaro inclinava a cabeça em sua direção - Os guardas não poderão me ver daqui. Já sabe o que deve fazer.

A ave respondeu concordando com a cabeça e então retornou pelo corredor alçando vôo por uma das janelas. Amirah voltou a observar o salão enquanto esperava, ficando apreensiva por alguns instantes, se perguntando se Ziz poderia ser visto, embora soubesse que ele estava bem. Sentindo então a presença dele mais próxima, ela intuitivamente voltou seu olhar para uma das pequenas janelas mais próximas do trono e viu seu eidolon ali, oculto pela escuridão da noite e discretamente se camuflando em meio aos imensos tapetes azulados e ricamente ornamentados que pendiam por todo o salão. Quando finalmente se convenceu que os guardas não davam atenção a ele, Amirah respirou fundo e se concentrou nos sentidos do eidolon, passando a enxergar o salão inteiro pelos olhos de Ziz.

O homem de voz áspera era um sujeito com o corpo coberto de bandagens e trajado como o capitão de um navio, embora não ostentasse nenhum símbolo da Marinha. Ele resmungava algo sobre um elfo imbecil das terras nórdicas que havia transformado todo um de seus carregamentos de armas de fogo em madeira. O sultão ouvia a história sem demonstrar muito interesse, levando em consideração seus murmúrios enfadados. Mas soltou uma exclamação de surpresa quando os guardas anunciaram a chegada dos demais convidados.

O primeiro homem a entrar era um sujeito baixo, com uma longa barba grisalha e trajado como um alquimista de Jezirat. Um suricato andava ao seu lado, farejando o ar ao redor com curiosidade. O sultão ficou tão empolgado ao ver o convidado que se levantou com dificuldade de seu trono, algo que raramente fazia.

-Sharian! Abençoado seja meu amigo! Que tenha boa fortuna e seus filhos cresçam fortes e saudáveis! Quando Capitão Hassar me falou que havia trazido você até aqui eu não acreditei, mas meus olhos se enchem de felicidade agora ao ver que está vivo e meu coração sente uma profunda alegria com sua visita!

Com esse discurso, o sultão Al-Latif abriu um largo sorriso e abraçou o alquimista Sharian, que passara as últimas cinco décadas de sua vida longe da terra natal, aprimorando seus conhecimentos de alquimia na distante cidade de Hedgeshire, em Windlan. Embora um tanto surpreso e embaraçado, Sharian retribuiu a cordialidade do governante, como um bom velho amigo que não o via desde que era apenas um assistente de boticário no palácio, regido ainda pelo pai de Hashoun.

Porém, o encontro afetuoso foi interrompido pela chegada do terceiro convidado. A mulher que adentrou o recinto tinha o rosto marcado pelo tempo e cabelos grisalhos cortados na altura do ombro, mas se movia com firmeza e elegância. Vestida em trajes negros como ônix, ela portava a marca dos hashashin em seu rosto, embora fosse uma estrangeira de traços ocidentais. Seu nome era Dora, uma ex-mercenária de Windlan, líder do grupo conhecido como Black Wolves, banido do país por intrigas políticas. Dora havia sido treinada pelos hashashin e era respeitada no submundo de Azatta, assim como em outras cidades. O sultão fez uma expressão desagradável ao ver aquela figura perigosa em seus domínios, embora soubesse que Zarkan, o marid do palácio, estava a espreita em algum lugar pronto para agir caso fosse necessário.

-Está com medo de uma raposa velha, nobre sultão?- disse Dora, com um sutil e calculado tom de escárnio na voz.

-Ah, que espíritos generosos me protejam dos ardis de sua língua, mulher! - disse Hashoun voltando a se sentar no largo trono - Por muitas vezes cacei nos campos em minha distante juventude, e sei reconhecer quando uma raposa velha ainda tem os dentes bem afiados.- Dora respondeu com um sorriso debochado, enquanto o sultão se dirigia a Sharian - Por que trouxeste esta serpente consigo, meu velho amigo? Por acaso cansaste de todas as vezes em que ajudou a curar minhas enfermidades e agora pretende me envenenar?

Sharian ficou mais uma vez embaraçado com aquele discurso exagerado, que o sultão havia notadamente aprimorado durante os anos que passara longe - J-jamais, meu bom amigo e sultão. Peço por sua infinita sabedoria que não me acuse tão injustamente! A senhorita Dora me ajudou a escapar daquela cidade, que lugar tenebroso ela se tornou! Com gárgulas sobrevoando as ruas como abutres, e soldados de ferro vivo em marcha incessante! Sem ela ainda seria prisioneiro em Hedgeshire. E além disso, meu senhor... - Sharian agravou o tom de voz, olhando nos olhos do sultão - Ela tem informações sobre o paradeiro de seu filho.

-Meu filho! Meu amado Sahid! Como me entristeço sempre quando recordo que ele nunca mais voltou após partir naquele navio! Ah, meu coração palpita como uma manada de elefantes a correr pelas pradarias! Ah, mulher, vamos, me conte o que sabe sobre meu pequeno falcão, e será bem recompensada por isso!

Dora acompanhou toda aquela conversa bizarra para ela com uma expressão que misturava tédio e descrença, e apenas a última frase dita pelo sultão, em especial a palavra "recompensa", fez com que sua atenção retornasse. Então com um sorriso ela começou a falar.

Longa foi a história que Amirah e Ziz ouviram daquela senhora. Uma guerra civil, cultistas fanáticos, o Abismo... a invocadora não podia acreditar que a sede por poder naquela terra distante havia chegado ao ponto de haver pactos com seres tão imundos e miseráveis. E seu irmão Sahid havia se metido naquilo tudo, como o idiota que sempre fora, deixando seu pai aos prantos depois de desaparecer em Seawyrm. Mas agora enfim parecia ter surgido alguma sombra do paradeiro dele.

-Então - disse o sultão - se pude entender bem suas palavras, o atual conde de Seawyrm assumiu seu posto depois que meu amado Sahid sumiu sem deixar rastro algum, tendo recém conquistado a glória de tomar a cidade para si. Ah, infeliz maré revoltosa do destino! Me diga, este homem, com quem diz ter convivido como companheira de luta, a quem conheceu em meio ao calor da batalha, acha que este Conde Owen pode ter matado meu querido filho?

-Não ele, vosso sultão - respondeu Dora - Ele é um homem ambicioso, mas não possui o gosto de sangue inocente em sua lâmina. Porém, há outra pessoa de quem desconfio, e com quem tenho contas a acertar.

-Então vá com a graça deste reino e traga a cabeça deste animal miserável para mim se ele realmente tirou a vida de meu amado Sahid! Ah, mas que terrível maldição se abateu sobre este mundo? Primeiro o herdeiro do califa, e agora meu querido e bondoso filho! Diante de tanta tristeza e sangue derramado, tremo ao pensar no que ainda está por vir!


Amirah já havia ouvido o suficiente. Momentos depois, ela estava nos jardins do palácio, na companhia de Ziz, se movendo entre as palmeiras e jasmins oculta pelas sombras da madrugada, quando viu a figura azulada parada na beirada da fonte, com os braços cruzados e os olhos de um branco luminoso e perolado a fitando diretamente.

- E então, princesa? - Disse Zarkan, o gênio das águas que protegia o palácio, com sua voz melodiosa porém forte como o quebrar das ondas em uma tempestade - Se divertiu no meu pequeno esconderijo?

Amirah respirou fundo e então ergueu a cabeça e encarou o marid com um olhar firme, a trança negra balançando em suas costas com o súbito movimento. - O meu pai nem sabe o quanto ele está enganado se me vê como não mais que um presente para aqueles bárbaros de Aswad. Se ele não tiver nenhum filho homem, me tornarei apenas uma moeda de troca, uma "jóia valiosa" como ele me chama, para que possa logo casar e lhe trazer um novo herdeiro. A leis desse lugar me deixam sempre admirada de tão justas...

-São leis antigas que vem desde o tempo dos nômades, minha graciosa jovem - Disse o gênio coçando a barba, esverdeada como alga marinha - Mas toda parede de rocha sólida pode ser um dia quebrada por uma maré forte o bastante, mesmo que leve tempo...o que pretende fazer?

-O que mais faria, senão atender ao anseio de meu pai?- disse Amirah com um sorriso de satisfação - E no momento não há maior vontade para ele senão a de rever meu querido irmão Sahid. Quero te pedir um último favor, meu amigo e confidente. Me ajude a embarcar no navio daquela senhora, Dora. Irei para o ocidente, e se meu irmão ainda estiver vivo, o trarei para cá para que possa governar Jezirat quando meu respeitável pai se for. E como humilde recompensa por meus esforços ainda me livrarei do noivado com aquele garoto insuportável coberto de fuligem e areia.

Vendo que o dia amanhecia, Amirah se interrompeu e se despediu do gênio, continuando o fio de sua própria história na noite seguinte, quando o navio do Capitão Hassar partiu rumo a Seawyrm.

17 comentários:

  1. Meu deus, conexões, conexões, conexões! xDD Isso foi muito divertido, finalmente reconhecer elementos num conto... E gostei do ritmo também, apesar das velhas intrigas políticas, tem alguns personagens que souberam marcar presença mesmo num texto tão curto. A princesa tem atitude =p O pai dela ficou com um discurso ligeiramente exagerado, mas suponho que você precisava pra caracterizar e expressar bem o personagem em pouco tempo... Quero só ver como essa bagunça vai interferir na mesa atual! xD Única coisa pra observar é a maneira como você elaborou algumas frases, com palavras repetidas e expressões fracas, talvez dando uma segunda olhada você pudesse trocar um ou dois detalhes que já deixariam os trechos mais interessantes, ex: em vez de "pensando se Ziz poderia ser visto", "se perguntando se" ou "imaginando se" poderia render uma narrativa melhor, mas isso não é tão importante assim, no geral, está de parabéns!

    Maisssssssssssssss xD

    kissus

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  2. Dooooooraaaa!! *_*

    Caraca, fico viajando aqui quando leio suas histórias! =D~

    PERFEITOOOOO!!

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  3. Dooooooraaaa!! *_* [2]

    O suricato /o/

    Que saudades desse povo!

    COmo vai o bruguelo do Owen? Já tacou fogo no mundo?

    Putz! Quero a mesa de volta T__T

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  4. "Mas que gracinha!!"
    Hebe Camargo sobre Amirah

    "Na União Soviética, seu irmão vai atrás de VOCÊ!!"
    Reversal Russa sobre Amirah

    "Eu sou melhor que ele, meu! Eu sei falar!"
    Louro José sobre Ziz

    "Prefiro servi-la a servir o Lorde das Trevas."
    Greyback, antigo membro dos Black Wolves, sobre Dora

    "Prefiro ver o filme do Pelé."
    Chaves sobre comentário acima.

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  5. Tenho medo do que está por vir!
    Mas me alegro muito ao ler o conto e fazer as conexões com o pouco que sei sobre este incrivel cenário xD
    Agora rumo a Seawyrm!!! o/

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  6. morri de rir do comentário do Okwlto HAUSHSUHUSHAUAHUAS

    enfim... adorei o jeito como vc escreveu. narrativa fluida, divertida. e me diverti demais com o sultão... melhor personagem ever. parece que tá lendo shakespeare enquanto fala. muito, muito legal. vc e a fantasia formam um lindo casal ^^

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  7. Ameeeeeeeeeeei *-* Vc escreve maravilhosamente bem, Bardo *-*~ Parece até um p´rofissional^^ Lembra-me uns livros ao qual até já me emprestou... Mto bom mesmo^^ Continue *-*

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  8. Porque fica dificil fazer u bom comentário depois que o Okwlto posta algua coisa >_>

    bem... eu não sei porque mas estulendocom muita frequencia sorriso no canto dos lábios, acho que o termo virou moda XD

    bem, sobre o elfo que transforma as coisas em Madeira, Ah Tsukime aprontando quando não estou olhando >_>"

    E de fato, o Sultão é omelhor personagem XD~

    eu ri demais :3~

    Muito bom, continue melhorando.

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  9. muuuuuuuito bom Bardo *-------------*
    publique logo um livro *-*
    que eu quero comprar, husahusahsauhs
    /ivina

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  10. Caramba, agora tenho certeza...Bardo você tem de mestrar uma mesa nesse cenário, nossas aventuras vão render material para o Blog :). O que acha? Já pensei até numa maneira de colocar o Roland Carter Wolf nesse cenário... :)

    As histórias estam demais! Sensacional mesmo! Ah, quero jogar RPG xD

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  11. DSAUDHSAuHSDhSDUA, cada conto superando o outro u.u'
    E eu nem falei que amei o plano de fundo do blog :DD
    Continue assim, em breve vou ser amiga de um escritor famoso 8D

    HUDSADUHSADHUAS Beijão!

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  12. Adorei, muito estruturado. E de onde você tira esses nomes todos? São tão legais XD!!! Parabéns, você escreve muito bem.

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  13. O seu texto tem uma cadência muito bacana Bardo! A gente vai montando um filme na cabeça enquanto lê! preciso sentar para acompanhar essas histórias direito!

    arrasou!

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  14. Você escreve bem demais. Sua narrativa nos envolve, te juro que entrei nesse conto e vi tudo de perto. Amei o sultão. XD Você é criativo demais, bardo *-*

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  15. nathidesign@hotmail.comquarta-feira, novembro 24, 2010

    aee gostei , gostei .. concordo que no quesito narrativa, tu poderia melhorar as expressões .. mas ficou joia , os personagens bem apresentados , e a estória bem envolvente! parabens!

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  16. Muito bacana, embora minha atenção tenha oscilado um tantinho no decorrer da leitura, mas isso é porque eu estava tomando sorvete kkk achei sensacional, e acho que tu sabes fazer um bom jogo de palavras, mas senti falta de um pouco mais de simplicidade. Em um parágrafo eu estava entretida, no outro eu estava tentando desatar uns nós. Eu gosto, particularmente, do modo como você descreve as personagens, e acho que os diálogos são riquíssimos. No geral, é um conto muito agradável de ler. E é isso aí.

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  17. adorei! Estou com medo da confusão que a Amirah vai entrar ><
    adorei o conto, bardo-chan. *-----*
    Você é ótimo escritor, viu?

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