quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Andina, A Terra do Sol
Das visões do Errante, um velho xamã de Andina
Visão da Serpente
Eu sou aquela cujo ventre se arrasta na escuridão. Minha morada é Urin Pacha, no leito dos rios profundos, na seiva de plantas venenosas e nas entranhas das feras da floresta. Como o dia que lentamente se vai, me enrosquei ao redor dos velhos e doentes. Como a noite que não se nota chegar, saltei sobre os imprudentes. Me proclamei a devoradora da vida, e minha fome jamais termina. Mas também trouxe a vida que se alimenta e cresce a partir da decadência, e em minha língua bifurcada as vozes dos ancestrais se fazem ouvir, ensinando a magia.
Eu trago a visão do passado, que foi sussurrada pelas múmias dos ancestrais, que descansaram na cidade dos mortos ao pé da montanha. Foram perturbadas pelos homens de além do mar, com suas peles de metal e suas bocas de trovão. Lançaram o frenesi pelo qual fui tomada, e as águas negras se tingiram de vermelho, até que quando despertei de meu transe, todos os povos da floresta haviam sido mortos, caídos perante a cobiça dos invasores por seus enfeites de ouro e jóias. Não se satisfizeram em saquear os vivos. Os homens de além-mar ousaram profanar a cidade dos mortos. Foram atraídos pelo brilho do metal sagrado das múmias que viam refulgir na escuridão. Mas descobriram que a cidade possuía suas próprias defesas, comandadas pela voz mágica dos ancestrais. Selaram o destino dos invasores quando aceitei o acordo que os espíritos dos anciões me ofereceram. Os corpos dos homens de além-mar continuaram pertencendo a mim, foram devorados por todo tipo de doença e horror que libertei das entranhas fétidas de meu ventre negro no pântano. Mas suas almas passaram a pertencer aos ancestrais, e eles foram presos a este mundo. Foram obrigados a errar pelas criptas ou se enterrar nos lamaçais, pagando por sua cobiça com uma vigília eterna sobre a cidade que tentaram saquear.
Visão do Puma
Eu sou aquele que corre pelas montanhas e vales. Minha morada é Kay Pacha, sobre os campos ondulantes, os rebanhos de lhamas e as cidades de ruas estreitas. Sinto a respiração acelerar ao perseguir minha presa pelas encostas íngremes. Sinto o fogo em meu coração ao ser abraçado pela paixão ou pela fúria. Sou a pulsação do mundo que é regado pelo suor e sangue, onde a terra é moldada pelas mãos pacientes da natureza e pelas mãos criativas dos homens.
Eu trago a visão do presente, contada ao redor da fogueira pelos homens da montanha, que vivem acima da neblina dos vales. O longo tempo de paz em seus vilarejos terminou. Observando do alto das encostas, vejo a chegada daqueles que trazem no peito uma águia de prata. Eles buscam o ouro que corre pelas veias da montanha, trazendo monstros de metal para perfurar a rocha e extrair seus veios. Eles trazem espadas afiadas e bocas de trovão, mas não atacam o povo das montanhas. Ao invés disso, eles oferecem presentes aos anciões venerados, e seduzem os mais jovens prometendo riquezas em troca do trabalho nas minas. Assim eles enfraquecem o povo da montanha aos poucos, os fazendo respirar o ar imundo de suas escavações, trocando seus cajados e flautas por frias ferramentas cobertas de fuligem. Cegos pelo brilho do ouro e pela escuridão das minas, o povo das montanhas não percebe o sofrimento da terra, que estremece de dor, fazendo os animais fugirem e as árvores definharem.
Visão do Condor
Eu sou aquele que voa junto a luz do dia. Minha morada é Hanan Pacha, além do céu das nuvens, por entre as estradas de luz e as fronteiras dos mundos. Portas de espelho que apenas os andarilhos das estrelas encontrarão. Repousos eternos de tempo reverso, campos de oferendas, moradas de anjos. Naves cruzando as camadas da existência até as fortalezas de prata. Luz imperiosa do arcano sol. Levarei com minhas asas os filhos dignos para as casas de éter. Seus corações serão confissão e alimento, chaves sagradas entregues ao porteiro do céu.
Trago a visão do futuro, gravada nas linhas dos Aeons sobre o deserto na margem das marés de éter. Retornarão os seres de além da longa imensidão vazia. Virão para enfrentar os antigos horrores que devoram mundos. Filhos dos Aeons no inverso do grande espelho negro. Apoiarão a guerra contra os horrores e seus atormentados seguidores neste mundo. Pobres condenados a serem devorados por seus próprios pesadelos. Estrelas cairão sobre a terra e tentáculos irão emergir do abismo para tentar abraçar a existência. E os que vivem em todos os reflexos do mesmo mundo terão de lutar, para que o espelho não se quebre e a realidade não se estilhaçe.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Imagino que a terra do sol fique nas americas...
ResponderExcluirAinda para mim isso não faz muito sentido para mim, mas tenho certeza que em breve irá fazer.
Como sempre um texto muito bom =]